words | 32
São anos e anos - literalmente décadas - de memórias impragnadas de meias verdades, de história fragmentada no espaço, de arrependimentos inconsoláveis de um tempo tão distante que, olhando para lá, consigo ver-me, de fora, tão claramente como te vejo a ti. Recolhemos instantes, sempre demasiado breves, porque a vida nunca nos aconteceu. Fomos vítimas do acaso, dos encontros furtivos e das más escolhas. Maus hábitos também foram sempre uma boa desculpa.
No entanto, aquele final de tarde que se estendeu pela noite e nos levou à porta da tua casa não nos impediu de partilhar, além de um guarda-chuva desnecessariamente grande, desejos de uma realidade mágica e utópica que só serviram mesmo para aguentar a dor da partida. Nunca passámos daquela porta para dentro, juntos. Nunca passámos nenhuma porta juntos... Nós nunca, efectivamente, existimos. Virei-te costas e tu não me impediste. Não me agarraste o braço, não chamaste pelo meu nome. E eu nunca olhei para trás... São anos e anos destes instantes de inexistência mútua que me fazem sentir mais viva do que nunca.