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Dei por mim a tomar a decisão baseada puramente na remota possibilidade de que os teus planos passassem por aparecer por lá, sabendo já à partida que quando queremos muito uma coisa mais depressa as galinhas ganham dentes. Não me sinto orgulhosa, é só parvo programar a minha vida em função de ti. Mas cedi às minhas mais primitivas emoções, e assim me encontrei sentada estrategicamente para que fosse impossível que não me visses. Estava frio, mas apenas o suficiente para merecer um comentário por parte de quem ia chegando e, ainda assim, nos permitir permanecer onde a vista era, sem dúvida, a melhor. Alguns beberam cerveja, outros ficaram-se pelo café e a àgua gaseificada. Muitos quase acabaram com um maço de cigarros inteiro naquela noite. Entre as piadas de quem não consegue evitar a constante boa disposição, a companhia e a conversa estavam, como era habitual, óptimas e eu esforcei-me verdadeiramente para nunca perder o fio à meada... mas os meus olhos não encontravam descanso se não na direcção de onde eu esperava ver-te chegar a qualquer momento. Que estupidez, que parva me sentia... mas quanto mais tentava impedir-me de perpetuar aquela figura ansiosa quase a roçar o desespero, bem... sabes. Houve quem notasse alguma coisa, mas acho que me safei com sucesso e por alguns minutos consegui disfarçar quase na perfeição. Quase. O ponteiro dos minutos teve tempo de dar pelo menos três voltas ao relógio, assim como o meu estômago que decidiu manifestar-se ao mesmo ritmo. Será que vinhas até à minha mesa para me falar? E eu, levantava-me para te dar dois beijinhos ou permanecia sentada? Apresentava-te ao resto das pessoas? Será que me perguntavas se eu queria beber alguma coisa (mesmo eu já estando a beber, mas é assim que acontece nos filmes...). Ou será que apenas me dizias olá de longe? Com um sorriso e talvez um aceno de mão. Então e se nem sequer me cumprimentasses? Devia cumprintar-te eu primeiro ou esperar pela tua reacção? Será que... Naquela altura tinha oficialmente perdido a capacidade de assimilar o que quer que fosse que me tentassem dizer. Começaram a ir embora, cada um na sua vez. Restámos duas. Olhei ao relógio pela última vez. Do que é que eu estava à espera? Arco-íris e unicórnios? Pois... Uma estupidez, uma noite inteira perdida, horas de incerteza e esperança... de ti. Levantei-me para ir pagar a conta ao balcão, a minha cabeça começava a doer de cansaço e sono. Saímos e dirigimos-nos para o carro. Entrámos, ela ligou o motor e arrancámos. Tínhamos obrigatoriamente que voltar para trás, passámos à porta e... lá estavas tu. Pronto para entrar. A camisa vermelha e preta ao xadrez, a ganga gasta das calças e os ténis All-star. Os olhos verdes. A barba por fazer. Paraste. Viste-me. Olhaste-me... Aquele segundo demorou uma eternidade mas não deu tempo para reagir. Seguimos sem que, durante todo o caminho, ela se apercebesse do efeito que apenas ver-te tem em mim... Os teus lábios. Era um sorriso?